segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

FELIZ ANO NOVO (OU MIAU! MIAU 2014!

Imaginou que ao amanhecer o miado de seus gatos podem não ser o pedido de alimentação? Ou que logo depois de colocada a ração o novo miado seja o agradecimento por tê-los alimentado?
Imaginou que um novo miado pode ser a pergunta que não cala nunca: — já vai pra sua vida sedentária, o corre-corre da cidade grande que a impede de viver e ser feliz?
Imaginou que o miado pode ser a triste despedida provocada pela separação? Afinal vocês têm que trabalhar pra conseguir sustentá-los e esta é a forma que  eles têm pra manifestar o agradecimento?
Imaginou que o miado repentino pode ser a manifestação de suas preocupações com seu estado de humor, demonstração de estresse, carência ou depressão?
Imaginou que um só miado pode significar que mesmo sendo seus bichos de estimação vocês significam muito pra eles? Vai além da amizade, da comida que colocam na tigela ou do esporádico carinho que lhes dedicam?
Imaginou que eles sentem a ausência e sofrem em silêncio e se regozijam quando uma após a outra retornam à quietude do recanto doméstico?
Imaginou que eles são capazes de sentir saudade e só sabem demonstrá-la miando e vocês acham que eles estão estressados em demasia?
Imaginou que os bichanos quando somente uma de vocês está em casa têm comportamento diferente daquele demonstrando na presença das duas?
Imaginou que eles são capazes de amar as duas da mesma maneira que vocês julgam amá-los?
Imaginou que seus bichanos agora são partes inseparáveis de suas vidas e enquanto se aturarem não existe nenhuma hipótese de distanciamento?
Imaginou que a chegada repentina em casa é motivo de alegria incontida pros dois felinos?
Sabia que a sensibilidade deles é muito aguçada e o que eles mais querem é atenção e carinho e embora percebam que as duas têm bastante pra lhes dar sempre querem mais?
Imaginou que cada abrir de porta sempre suscita a dúvida: quem chegou primeiro? Aquela que tudo me proíbe ou aquela que tudo me permite?
Imaginou que agora os duplos miados neste quase encerrar de noite seja apenas a tradução do benquerer, como se afoitos os dois quisessem dizer a vocês o quanto amam e reconhecem o amor que vocês lhes dedicam.
Imaginou que embora miss Jule e o senhor Frankie não saibam falar eles agora estejam apenas dizendo pra vocês duas, na linguagem deles, que pra nós humanos deveria ser universal: Miau, Miau 2014!

DÍVIDA


Tenho uma dívida de gratidão com a senhorita Julie. As atitudes de determinadas colegas da Laura na faculdade originaram uma depressão que os remédios não conseguiam atenuar. Essas meninas mimadas a espezinhavam pelo simples fato de ela não vir de família rica. Mais furiosa ainda ficavam quando os trabalhos de Laura sobressaíam, chamando a atenção de diversos professores e colegas.

Surpresei a Laura comprando-lhe uma câmera digital da Canon. Semiprofissional, aquela que meu salário de aposentado permitiu adquirir. Alguns dias depois uma colega que se julgava superior apareceu com uma câmera idêntica. Indagada sobre o que fizera com a outra, ela simplesmente respondeu: vendi, pois estava ultrapassada. Santa ignorância. O equipamento que ela passou adiante era bem mais moderno e valioso do que o recém-adquirido.  Diante de sua ignorância Laura apenas exclamou: inveja não só mata como afeta o bolso!

Quando Julie foi adotada Laura se encontrava deprimida. Nada lhe dava alegria. Enfurnava nos livros, dava pouca atenção à alimentação. Agia sem dar grande valor a vida.

Fiquei temeroso quando recebi o comunicado da adoção de miss Julie. Os pelos de gatos aceleram as crises de asma ou de bronquite asmática. E Laura precisava inalar um remédio que dilatava os brônquios facilitando a respiração.

De longe eu nada podia fazer. Proibir a adoção? Nem pensar! Entreguei nas mãos de Deus. E Ele deu-me a resposta. A presença de miss Julie no apartamento trouxe a alegria para nossa filha.

Stéphanie queria uma gatinha branca. Ela conhecia uma moça que pegava gatos na rua e levava para casa e cuidava deles com o maior dos carinhos. Stéphanie ligou indagando se não tinha uma gatinha branca. Ela disse que não. Mas que tinha um gato branco, fofo, carinhoso, brincalhão, tanto falou que acabou por convencê-la a adotar o bichano que foi “batizado” com o nome de Frank Sinatra. O senhor Frankie é albino e surdo.

Ele veio completar a alegria no apartamento.

Os inúmeros trabalhos da faculdade, a inveja escancarada por parte de algumas alunas da mesma classe já não mais era sentida com a mesma intensidade pela Laura.

Hoje o senhor Frankie e miss Julie fazem parte da família e como tal são tratados. Até eu que nunca tive simpatia pelos felinos tornei-me fã incondicional dos dois bichanos.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

MISS JULIE RODOPIA NA CADEIRA


MISS JULIE FICA ARREDIA APÓS INTERVENÇÃO CIRÚRGICA

Miss Julie estava arredia e não era para menos. Há três dias ela passou por uma intervenção cirúrgica e fugia ao menor sinal de aproximação tanto da Laura, quanto da Stéphanie. O senhor Frankie mostrou-se bem condescendente com a recém-operada, não a deixou ficar sozinha um só instante.
Diante da fragilidade face à intervenção que se fazia necessária há muito tempo e de sua fuga quando suas donas se aproximavam, elas aproveitaram a soneca e foram à forra fazendo-lhe carinhos.
O mais interessante no processo foi que miss Julie ficou bastante brava com a Stéphanie. A única explicação plausível que encontramos foi o fato de ter sido ela (Stéphanie) a responsável por transportar a senhorita Julie até sua veterinária. Por outro lado, ficou mais amiga da Laura que tornou-se sua enfermeira particular. Fazendo os curativos, verificando se o corte cirúrgico não inflamara, acariciando-a, buscando distraí-la, para assim, minorar as dores pós-operatória.
Hoje a convivência é pacífica e ela cada vez mais manhosa.

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

CONTROLE DE QUALIDADE

Observador o senhor Frankie não perde a oportunidade de ficar averiguando tudo que acontece a seu redor. De quando em onde arrisca subir na janela e mesmo ficando espremido admira o que se passa no pátio ou no terreno baldio que ladeia o condomínio.
Quando minhas filhas ligam a máquina de lavar ele logo dá um jeito e pula encima da tampa e fica observando o movimento do cilindro bater a roupa. Assusta-se quando chegado o momento de esvaziar a água usada e mais ainda quando o tanque enche e começa a movimentação da máquina.
Acreditamos que o senhor Frankie está exercendo seu papel de inspetor de controle de qualidade e só abandona seu posto quando o motor da lavadora é desligado. Tarefa cumprida sai sorrateiro procurando outras diversões.

O DISTINTO SENHOR FRANKIE


Senhor de todas as artes Frankie gosta de público. Não é daqueles atores que se apresentam para pequenas plateias, ou até nenhuma. Espera que todos nós estejamos na sala para começar a fazer suas artes. Mais do que miss Julie ele adora fuçar em minha latinha de cerveja. No meu conceito de bebedor inveterado, o suco de cevada não combina, não cai bem com baba de gato. Pergunto-me se cairia com baba de moça! De jeito maneira! Cerveja foi feita para ser consumida com bom pedaço de picanha ou  camarão no espeto. Requer companhias especiais. Mas ele não se importa com minhas preferências gastronômicas e mal vê a lata sobre a mesinha dá seu salto quase mortal e, se não sou mais rápido que ele para proteger meu líquido precioso, seria obrigado a abrir outra latinha.

Apesar de tudo gosto sobremaneira do senhor Frankie. Quando minhas filhas e minha mulher saem sem destino ele é quem se aproxima primeiro de mim. Sua surdez não o impede de atender aos meus chamamentos. Aponto o indicador e ele vem todo faceiro buscar o carinho de minhas mãos. Já miss Julie fica arredia, enciumada, fazendo de conta de que não está nem aí para minha aparente preferência pelo senhor Frankie. Mas ela também sabe de suas carências e não resiste. Passo a tarde inteira me deliciando com as brincadeiras dos gatos de minha vida...

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

OUTRA VEZ MISS JULIE

Miss Julie gosta de novidades. Qualquer uma, desde que seja digna de sua atenção acurada. Exigente, não se contenta com pouca coisa. Pra ela novidade boa mesmo é aquela de tirar o fôlego. Por exemplo: uma enorme caixa onde ela possa se esconder das brincadeiras estúpidas do senhor Frankie. E foi o que ela achou. Lá no meio da sala uma enorme caixa de papel onde era fácil, pra nós, ler o número 67002. Não sei se o fascínio do numero ou o tamanho da caixa chamou sua atenção. Certo é que em questão de segundos ela se apossou dela, como se fosse seu quarto. Deixou que víssemos apenas a metade de seu corpo. As patas quase unidas e a cara de interrogação.
Por horas a caixa virou seu mundo encantado. Até que o senhor Frankie descobriu que ali era bom lugar pra tirar uma soneca e desbancou miss Julie.
Gato safado deve ter pensado ela, só porque é grande e obeso vive a roubar meus espaços. Ah! Se eu te pego de jeito! Mas o senhor Frankie não era de ficar parado muito tempo em um só lugar. Vivia de aventuras e logo cansou da grande caixa deixando que miss Julie voltasse a ocupar seu reino encantado.

O OUTRO DIA


Como previ, as lâmpadas da iluminação pública ainda estavam acesas quando o senhor Frankie cometeu sua investida. Pensei comigo: — diabos de gato, quando me verei livre de sua aporrinhação?

Nem passou pela minha lembrança que estava invadindo seu espaço. Dormia no quarto de minha filha Stéphanie e seu costume era acordá-la ao clarear pra providenciar seu rango. Mas às cinco horas e meia ainda não era o momento de sua tigela ser entupida com sua lauta refeição.

Perdi as estribeiras. Abri a porta e o expulsei. De nada adiantou minha explosão de raiva, coisa de cinco minutos e ele começou a arranhar a porta novamente. Tinha sono e a manhã inteira pra dormir e o danado do gato resolveu aporrinhar minha paciência. Rebucei a cabeça com o grosso cobertor, mas nem mesmo assim deixei de ouvir o barulho que o senhor Frankie fazia.

Vontade danada de esgoelá-lo. Dois empecilhos. Primeiro: atrocidade contra os animais é crime, se me não engano, inafiançável. Segundo: e a repulsa exasperada de minhas filhas por ter machucado o senhor Frankie. Fiz ouvidos de mercador. Contei carneirinhos até pegar no sono novamente.

Acordei duas horas depois com minha mulher chamando-me pra saborear o café. O senhor Frankie e miss Julie já estavam de pança cheia. Agora se aproximava a hora de minha vingança. Eu os torturaria com as brincadeiras que menos gostam...

domingo, 22 de dezembro de 2013

MISS JULIE E O MACBOOK

Por um momento miss Julie London desviou o olhar do Macbook. Ela estava confortavelmente instalada na cadeira e, para seu agrado, lá estava  a almofada da qual se apossara desde que nossa filha Laura foi presenteada por sua mãe.
Os movimentos no monitor do notebook prendiam sua atenção e bem sei que em algum momento ela ameaçou saltar sobre o teclado, ato ao qual estávamos acostumados, embora reprovássemos. Afinal um Macbook não é brinquedo para felinos.
Para a senhorita Julie London tudo que é proibido é permitido. Nunca teve e nunca terá desconfiômetro. Se o notebook estiver fechado ela simplesmente se deita sobre ele e é uma trabalheira arredá-la para fazer qualquer coisa.
Tudo que ela mais gosta é transgredir normas. Mal acostumada, pois Stéphanie e Laura permitem que ela reine sobre todas as coisas no apartamento, não serei eu, apenas um visitante a questionar os locais impróprios que ela escolhe para fazer suas poses. Dona do território ela governa e nós seus súditos somos obrigados a ceder nossos espaços para que ela mantenha sua majestade britânica.

SENHOR FRANKIE, MEU COMPANHEIRO DE LEITURA

O senhor Frankie a cada momento consegue causar-me surpresas inusitadas. Enquanto estava entretido lendo Bonsai, de Alejandro Zambra, notei por várias vezes sua ameaça de pular para o sofá. Não estava para brincadeiras e nem queria aquele gato perturbando minha leitura, estragando meu prazer. A agilidade do bichano desviava meu olhar das páginas do livro e tirava minha concentração. Pensei em prendê-lo num dos quartos. Não seria boa ideia. Logo começaria a fazer o maior fuzuê, arranhado porta e miando, quebrando o silêncio tão importante para continuar deliciando com o romance que àquela altura tinha tomado conta de meus olhos.
Bastou pequeno descuido para que o senhor Frankie se aboletasse sobre minha barriga e fixasse a atenção na página que eu lia. De repente ficou impaciente, como pretendesse dizer-me para mudar de página, pois ele terminara aquela. Loucura ou não mudei rapidamente. Ele deu pequeno miado de satisfação, mas logo retornou a perturbar-me, só aquietou quando fui passando ligeiramente as páginas. Acredito que o senhor Frankie fez curso de leitura dinâmica, só saiu de sua cômoda posição quando viu que não havia mais nada para ser lido.


sábado, 21 de dezembro de 2013

FINALMENTE REGRESSAMOS


A memória anda me traindo muito. Não sei se estava vendo um filme, se a Beth navegava na internet quando o telefone tocou. Do outro lado nossa filha Laura em prantos: Julie morreu!

Nós estupefatos, sem entender bem o que acontecera. Miss Julie London aproveitou um momento de descuido e escapuliu do apê. Correria e choro. Laurinha se descabelava, inconformada. Aos poucos foi se acalmando até conseguir nos explicar o que realmente ocorrera. Quando sentiu falta da gatinha desandou a procurá-la por todos os cantos e nada de encontrá-la. Foi à rua no exato momento em que um caminhão de coleta de lixo estacionava. Ela perguntou ao gari se não tinha visto uma gata e ele confirmou que acabara de recolher uma. Pra infelicidade de minha filha tinha a mesma cor de miss Julie. O berreiro aumentou.

Tinha se apegado tanto a miss Julie London que não conseguia aquilatar a ideia de tê-la perdido. Pôs a mente a imaginar como seria o funeral. Será que em Curitiba, o crematório aceitaria cremar a gatinha, ou será que existia um cemitério para pequenos animais.

Aqui, distantes, impossibilitados de viajar àquela hora, pois após verificarmos na internet os próximos voos só tinham lugares disponíveis dois dias depois, sofríamos a mesma dor de nossa filha.

Aquela que julgava ser miss Julie jazia numa sacola. O que restara foi apenas dor e saudade.

O acúmulo de trabalhos pra entregar na faculdade, a solidão permanente, tudo era somado naquele momento aumentando a dor de nossa filha.

Já era noite feita quando Stéphanie chegou e encontrou a irmã aos prantos. Suas lágrimas se somaram. A tristeza tomou conta do apê. E nós no longínquo Mato Grosso sem nada poder fazer.

De repente Sté escuta um barulho. Era um miado. Logo outro, depois outro e mais outro. Abriram a porta do apê e saíram voando procurando localizar a origem do som. Eis que o impossível acontece. Miss Julie London sai enlameada do lixo, fedendo a restos de comida, mas viva. O choro aumentou, mas desta vez acobertado de alegria. O banho foi de gato. No outro dia a doutora Priscila cuidaria vagarosamente de higienizá-la pacientemente, soubemos depois.

Novamente o telefone toca. Ligação a cobrar. Com o coração quase saindo pela boca atendi. Era Laura comunicando-nos que a fujona saíra pra dar uma volta. O animal morto tinha suas características, nada além disso.

Regozijamos. Na verdade a presença de miss Julie na vida de Laura dispensava a intervenção de um psicólogo ou psiquiatra. Nos momentos difíceis, os desencontros com colegas que, pelo fato de serem ricos a espezinhavam, aprofundaram a crise de ansiedade. Julie foi sua tábua de salvação.

Agora que ela está sã e salva em casa, rendo graças ao bom Deus por tê-la trazido de volta pro convívio de minhas filhas.

Espero que a arteira da miss Julie London jamais repita a proeza de fugir de casa. A dor da possível perda acabou afetando, por instantes, a família inteira.

 

O ABALO SÍSMICO


A memória anda me traindo muito. Não sei se estava vendo um filme, se a Beth navegava na internet quando o telefone tocou. Do outro lado nossa filha Laura em prantos: Julie morreu!

Nós estupefatos, sem entender bem o que acontecera. Miss Julie London aproveitou um momento de descuido e escapuliu do apê. Correria e choro. Laurinha se descabelava, inconformada. Aos poucos foi se acalmando até conseguir nos explicar o que realmente ocorrera. Quando sentiu falta da gatinha desandou a procurá-la por todos os cantos e nada de encontrá-la. Foi à rua no exato momento em que um caminhão de coleta de lixo estacionava. Ela perguntou ao gari se não tinha visto uma gata e ele confirmou que acabara de recolher uma. Pra infelicidade de minha filha tinha a mesma cor de miss Julie. O berreiro aumentou.

Tinha se apegado tanto a miss Julie London que não conseguia aquilatar a ideia de tê-la perdido. Pôs a mente a imaginar como seria o funeral. Será que em Curitiba, o crematório aceitaria cremar a gatinha, ou será que existia um cemitério para pequenos animais.

Aqui, distantes, impossibilitados de viajar àquela hora, pois após verificarmos na internet os próximos voos só tinham lugares disponíveis dois dias depois, sofríamos a mesma dor de nossa filha.

Aquela que julgava ser miss Julie jazia numa sacola. O que restara foi apenas dor e saudade.

O acúmulo de trabalhos pra entregar na faculdade, a solidão permanente, tudo era somado naquele momento aumentando a dor de nossa filha.

Já era noite feita quando Stéphanie chegou e encontrou a irmã aos prantos. Suas lágrimas se somaram. A tristeza tomou conta do apê. E nós no longínquo Mato Grosso sem nada poder fazer.

De repente Sté escuta um barulho. Era um miado. Logo outro, depois outro e mais outro. Abriram a porta do apê e saíram voando procurando localizar a origem do som. Eis que o impossível acontece. Miss Julie London sai enlameada do lixo, fedendo a restos de comida, mas viva. O choro aumentou, mas desta vez acobertado de alegria. O banho foi de gato. No outro dia a doutora Priscila cuidaria vagarosamente de higienizá-la pacientemente, soubemos depois.

Novamente o telefone toca. Ligação a cobrar. Com o coração quase saindo pela boca atendi. Era Laura comunicando-nos que a fujona saíra pra dar uma volta. O animal morto tinha suas características, nada além disso.

Regozijamos. Na verdade a presença de miss Julie na vida de Laura dispensava a intervenção de um psicólogo ou psiquiatra. Nos momentos difíceis, os desencontros com colegas que, pelo fato de serem ricos a espezinhavam, aprofundaram a crise de ansiedade. Julie foi sua tábua de salvação.

Agora que ela está sã e salva em casa, rendo graças ao bom Deus por tê-la trazido de volta pro convívio de minhas filhas.

Espero que a arteira da miss Julie London jamais repita a proeza de fugir de casa. A dor da possível perda acabou afetando, por instantes, a família inteira.

 

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

O RETORNO


Nos dois dias que convivi com miss Julie London e o senhor Frankie acho que ganhei a confiança dos pequeninos. Julie é muito mais desconfiada, por vezes, arredia em excesso.

O senhor Frankie é mais cordato, talvez pela surdez. Mas os dois são muito fofos. Hoje levam vida confortável se comparada à de rua que antes levavam. A irmã de Frankie foi adotada por uma amiga da Stéphanie e é tratada como princesa. No apê de minhas filhas ai de mim se reclamar do casal imperial!

Vou-me embora amanhã carregando enorme carga de saudades, não só das meninas, mas do senhor Frankie e miss Julie.

Percebo que Beth, minha mulhe,r adoraria que mudasse minha radical postura em não ter gatos em casa, porém confesso não estar preparado pra dividir meu espaço.

O senhor Frankie olha-me enviesado, talvez percebendo que mais cedo ou mais tarde o varapau irá embora.

Miss Julie sente certo alívio em se ver livre do estranho que apoquentou sua vida durante dois longos, longuíssimos dias. Deve estar pensando: — Vai com Deus e Nossa Senhora, o capeta atrás tocando viola!

A fofura do casal de gatos tomou conta de mim. Francamente me amoleceu por completo e isto será motivo de alegria pras minhas meninas.

Reclamei muito. Reclamei dos pelos, do odor exalado da caixa de areia onde eles fazem suas necessidades fisiológicas. Inventei assunto pra reclamar mais ainda, pra no fim dar no que deu: apaixonei-me completamente pelo senhor Frankie e pela miss Julie London.

Espero que surja logo uma oportunidade para retornar e estreitar meus laços com os bichanos.

A ponta de saudade agora aumenta. É chegado o momento de arrastar a mala. Penso duas vezes antes de fazer o gesto extremo: a despedida. Afago o senhor Frankie longamente, enquanto a arredia miss Julie London olha-me de lado, como pretendesse dizer: — comigo não, violão!

Não consigo sair do apê sem despedir-me dela. Largo a mala num canto da sala, sento no sofá, estalo os dedos, bato as mãos nas coxas e ela vem receber o último carinho de quem aporrinhou a vida dela por dois longos dias...

 

MISS JULIE, A ROQUEIRA


A danada da bichinha não tem mais o que inventar. Descerimoniosamente se apossou do apê. Mia quando o nível da ração na tigela está baixo ou a água está pela metade. Deita sobre a velha televisão e deixa o rabo balançando impedindo a perfeita visão das cenas.

Agora miss Julie extrapolou de vez. Ouço barulho estridente e estranho vindo do quarto da Stéphanie. Corro pra ver o que anda acontecendo, mas que bela surpresa, pena que não tenho uma filmadora para eternizar o momento. Sobre a cama está a guitarra de minha filha e ela arranca os primeiros e sofríveis acordes. Metaleira de uma figa. Após trinta segundos perde o interesse pelo instrumento musical. Deve ter desconfiado que apesar do nome inglês jamais será uma Janis Joplin ou Jimmy Hendrix, bem melhor pra meus ouvidos cansados.

Depois da malfadada experiência vem toda faceira buscar meus aplausos. Carrancudo brigo de mentirinha com ela. Esfrega a pata no focinho concordando comigo. Num salto está ao meu lado no sofá solicitando atenção e carinho. Repito mecanicamente o gesto de acariciá-la. Miss Julie London, a roqueira está feliz da vida, provou que se praticar com afinco ainda será estrela do The Voice ou qualquer outro programa na televisão americana.

Sem poder contestá-la rendo-lhe minhas homenagens como se acabasse de ouvir Paul McCartney tocar Hot as Sun.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

AS PERIPÉCIAS DO SENHOR FRANKIE


O senhor Frankie tem hábitos gastronômicos bem estranhos. O danado adora comer pinhão cozido. Pela noite cozinharam pinhão e Laura jogou um no chão. Ele cheirou e depois saiu brincando, lançando-o de uma pata para outra até resolver descascá-lo e devorá-lo.

Minha mulher pegou um pinhão cru e jogou ao chão. O senhor Frankie deu um salto da mesa e começou sua brincadeira. Minutos depois a decepção: — quando tentou descasca-lo sentiu que o mesmo não estava cozido. Oh! Mundo cruel! — Nada é perfeito!

Engraçado como ele gosta de ficar me observando quando finjo não dar bola pra ele. Agora o senhor Frankie encasquetou em permanecer ao meu lado e perturba a todo o momento. Como já escrevi ele é surdo, mas tem um olfato que compensa tudo. Mal acabo de abrir minha latinha de cerveja e ele pula na mesinha e quer de toda maneira provar de minha bebida. Confesso que baba de gato não combina muito bem com meu suco de cevada. Dou-lhe pequeno empurrão e se vira, como não ligasse pra minha bronca. Preciso ficar atento, pois um segundo de descuido e ele lamberá a lata.

Magiquei que hoje foi meu dia de sorte com o senhor Frankie, pela primeira vez desde que cheguei fui recebido com festa depois de ter saído pra fazer pequenas compras no supermercado. Mal abri a porta e lá estava ele miando, faceiro. Pensei com meus botões: — o bichano está se tornando meu amigo!

Mas que amizade que nada, ele estava de olho nos pacotes que trazia nas mãos. Acompanhou-me até a porta da cozinha, onde mais uma vez barrei-lhe a entrada. Ali era território proibido, campo minado para gatos.

Quando abri a porta o senhor Frankie foi mais esperto que eu e se meteu cozinha adentro. É preciso muito malabarismo pra conseguir evitar suas investidas.
Confesso que nunca tive nenhuma atração por gatos, mas o senhor Frankie está amolecendo meu coração de pedra.

DEPOIS DO SUSTO


Miss Julie acordou comportada. Deu-me um miau de bom-dia. Olhou curiosa pra meus óculos, ela ainda não me flagrara usando-os. Veio faceira. Parou diante de minhas mãos como pedisse pra afagá-la. Bati uma das mãos no sofá e ela não esperou um segundo convite. Deitou e esperou pra ver o que aconteceria depois. Passei vagarosamente mão sobre sua cabeça e ela derreteu de contentamento. Tinha a vida que pedira a Deus. Cocei-lhe o queixo e mais dengosa ficou. Fechou os olhos como se dormisse. Só por judiação apertei-lhe a barriguinha e ela num salto se pôs longe de mim. Preferiu o aconchego do Vaio da Stéphanie. Ficou lá me encarando. Bem possível que estivesse a pensar: — visita malvada! Tô louca pra ela ir embora e me deixar sossegada em meus cantos. Aliás, cantos pra ela se esconder é o que não falta no apê. Passeia por tudo quanto é lugar. Tenho por mim que o lugar que miss Julie mais gosta é a cama da Laura, principalmente quando o sol atravessa a janela e pode ficar ronronado à vontade. Outro lugar favorito é ficar entre a grade de proteção da janela, ora observando o mundo exterior, pensando em dar outra escapulida, ora de olhos atentos, pois sabe que o senhor Frankie pode surgir de um momento pra outro com o intuito único de desalojá-la de seu cantinho favorito.

Laura prepara um triângulo valendo-se de um saquinho de supermercado. Atira-o ao chão e ela se põe a jogá-lo de um lado pro outro, imitando jogadores de hóquei sobre patins. É mágico momento de festa.

Notei que, também miss Julie não gosta muito de um abraço forte. Quando Laura a põe no colo e aperta sua barriguinha miss Julie dá seu miado de mini onça parda e trata de fugir. Mas minha filha é sua dona e conhece bem todas suas manhas. Logo, logo ela está rondando procurando chamar a atenção. Nem se lembra mais do susto que nos pregou na noite de ontem.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

O SEGUNDO DIA DA VISITA


Acordei com o barulho do senhor Frankie arranhando a porta do quarto. Ele tem o péssimo costume de madrugadazinha enfiar suas unhas na porta pra sinalizar duas coisas: que está novamente com fome e que quer se deitar e aproveitar o quentinho da cama. Dei-lhe uma bronca que de nada adiantou, pois ele é surdo. Fechei a porta e voltei a deitar. Ainda nem eram seis horas e o esfomeado já estava perturbando. Momentos depois Laura se levantou, olhou as tigelas. Faltavam água e ração. Mal providenciou e ele mais do que depressa veio se empanturrar. Desaforado avançava na tigela de miss Julie. Guloso comia da sua vasilha e se apoderava da tigela de miss Julie.
Fui fazer o café e ele tentou entrar na cozinha. Aliás, os dois. Ela adorava ficar embaixo do armário ou encima da geladeira. Definitivamente a cozinha não é lugar de gatos. Fiz o café e fui assistir ao jornal. O senhor Frankie não se fez de rogado e veio pedir um carinhosinho. Cocei-lhe por debaixo do queixo. Manhoso, fechou os olhos, deu meia volta oferecendo o dorso pra outro afago. Agora se punha mais comportado. O que quereria ele além de atenção? Carinho! Este a gente providenciava aos montões. Agora deitou ao meu lado no sofá, se esparramou mostrando a enorme barriga. Acho que o senhor Frankie deve pesar uns cinco quilos. Também com a vida boa que leva só pode mesmo engordar a sumir de vista. Quando não está perturbando miss Julie está comendo ou dormindo. Na verdadeira acepção da palavra: o senhor Frankie é um come e dorme.

O SUMIÇO DE MISS JULIE


De repente miss Julie desapareceu. Vasculhamos o apê nos mínimos detalhes e nada dela aparecer. Laura desatinou num choro incontrolável. De pijamas desceu as escadas e saiu procurando por entre os carros no estacionamento do edifício onde morava. Era um passo e um soluço. Estávamos os três em polvorosa. Laura e sua mãe vasculhando todos os cantos abriram o portão e temeram pelo pior. E se miss Julie resolveu fazer uma saída turística e os carros em alta velocidade a atropelassem? Mas não, rua não encontraram nenhum sinal da gatinha.

Fiquei na minha. Apenas muito preocupado com o estado emocional da Laura que tinha se apegado àquele pequeno animal como se fosse a tábua de salvação. Não conhecia as redondezas, por isso mesmo não me atrevi a sair à procura de miss Julie.

De repente ei-la toda pomposa saindo de onde se escondera: debaixo da cama da Stéphanie. Abri a porta com cuidado, pois ela e Frankie não perdem a oportunidade pra dar uma fugidinha. Vi Laura lá no pátio gritando: Juliiiiiiiiieee! Juliiiiiieeee onde está vocêêêêêe? Dei o grito mais alto que pude: Julie está aqui!

Ainda chorando Laura se abraçou a miss Julie London. Não perdeu a oportunidade de dar sua bronca, dizendo pra não repetir jamais a proeza de se esconder deixando-a preocupada. Acredito que miss Julie não entendeu muito bem a preocupação de sua dona. Assim que pôde procurou abrigo no guarda-roupas e de lá ficou observando o movimento no apê. Todos sossegados, ei-la de volta correndo atrás de pequeno pedaço de papel.

O susto foi grande. A noite convidava a dormir, pois o frio anunciava intenso. O senhor Frankie já estava em seus aposentos, enchera a pança de sua ração preferida. Agora miss Julie podia comer sossegada. Contrariando minha vontade Laura levou miss Julie pra dormir em sua cama.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

MISTER FRANKIE

Com o senhor Frankenstein a história foi bem diferente. O mostrengo branco, gordo é surdo e albino. Olhou-me com desconfiança, porém logo veio buscar carinho. Esqueci-me de sua surdez e dei uma bronca quando ele tentou se arranchar detrás de minha cabeça. Estava recostado do sofá e queria tranquilidade. Saiu como chegou, deu um salto para a mesa, depois viu qualquer coisa no chão e foi à caça. Minutos depois estava deitado sobre a televisão. O senhor Frankie adora se esconder colocando a gente em polvorosa à sua procura. Ele se acha dono de todo o espaço. Basta fazer a menção de abrir a porta do banheiro e lá vai ele buscar não sei o quê.
Nunca vi um bicho tão esfomeado. Pra ele a vida se resume em comer e dormir e fazer artes. Quando não está fazendo suas traquinices se põe a lamber as patas, numa lavação demorada. O que mais gostava era de mexer na vasilha onde colocávamos sua ração. Bastava sentir o cheiro e saía em disparada. Guloso, comia de sua tigela e não dava sossego pra miss Julie que via sua saborosa comida ser inevitavelmente devorada pelo imenso senhor Frankie.
Ao final do primeiro dia ele já era velho conhecido. Não perdia a oportunidade de se enroscar em minhas pernas estendidas. Ao primeiro sinal feito com as mãos ele vinha faceiro, querendo carinho. Bem diferente da arredia miss Julie.
No princípio achei meio estranho. Frankie não suporta que a gente o encare. Era só ameaçar olhar em seus olhos que ele fugia. A Laura tentou me explicar as razões pelas quais ele não gosta do enfrentamento, fiquei meio perdido. Lembrei-me dos autistas que costumam olhar nos olhos das pessoas.
Outra coisa que ele odeia, quando se trata de pessoas estranhas é ser abraçado. Eu o apertava entre os braços e quando menos esperava escapulia e ficava de longe me olhando com o canto dos olhos, como se pretendesse dizer: — quando será que esse varapau irá embora? Cruzes até quando terei que suportá-lo?
Com o correr o passar do tempo nós nos acostumamos um ao outro e ele não perdia a oportunidade de se enfiar no meio de minhas pernas ou de procurar abrigo no encosto do sofá. Irrequieto como só ele sabe ser não parava um instante. Bastava achar uma caixa e ele entrava e dormia tranquilamente. Por ser surdo ficava alheio ao mundo. Só despertava quando maldosamente eu passava uma das mãos em seu dorso. Soltava um miado e procurava o lugar mais alto da sala ou sobre o guarda-roupas da Laura e lá ficava, talvez pensando: — aqui você não consegue me pegar!

OS GATOS DE MINHAS FILHAS


Conheci miss Julie há cerca de dois anos. Fui alertado por minha filha Laura que em chegando no apartamento deveria dizer: - olá Julie! Como vai? Se assim não procedesse, no decerto, nas outras entradas no apê seria hostilizado pela gatinha manhosa. E não é que ela, minha filha estava certa? Quando adentrei no pequeno apê tratei de cumprimentá-la. Meio desconfiada, olhou-me enviesada, como dissesse: - donde foi que minha dona tirou esse varapau? Mesmo que ela estivesse um tanto quanto desconfiada não deixou de se enroscar por minhas pernas. Pra mim foi sinal de boas-vindas. Eu era aceito no apartamento que alugava pra minhas filhas. Maluquices à parte Julie logo, logo se fez arredia, nem quis saber de mim quando aventurei fazer-lhe pequeno cafuné. E olha que a danadinha é chegada num chamego. Gosta de ser paparicada, acariciada suavemente debaixo do queixo, passar-lhe as mãos sobre o torso ou vagarosamente sobre a barriga. Odeia abraços apertados e eu, neófito em convivência com gatos, caí na besteira de apertá-la, foi miado só e ela se escafedeu rápida e lépida de minhas mãos. Daí em diante foi tarefa difícil tentar “domá-la”. Quanto mais tentava me aproximar, mais ela fugia de mim. Continuou por horas se fazendo de besta, fugindo de meus carinhos, que não eram lá muito bem intencionados, eu queira novamente apertá-la pra ver até onde ia sua repulsa, indignação e resistência ao chegante. Ficava ela, ora estirada sobre o Mcbook de minha filha, ora fazendo pose na janela, olhando pro infinito. Quando se cansava saltava pro chão, olhava pra cima ou se aninhava sobre a televisão. Onde existisse algo derrubável no apê ela o punha no chão. Gostava sobremaneira de se esparramar na cama de minha filha, principalmente quando o sol curitibano entrava pela janela. Passeava solene sobre a mesa onde livros viviam esparramados. Se deliciava derrubando o porta-canetas, relógio, lápis, borracha e qualquer objeto que aparecesse pela frente. Observei, no primeiro dia, que ela era fascinada por correr à larga atrás de um saquinho de supermercado bem dobrado, de forma triangular, que minha filha atirava. La ia miss Julie toda faceira tocando de uma pata pra outra o novo brinquedo. Cansada da brincadeira se estatelava no sofá e eu, besta, tentava passar uma das mãos sobre sua cabeça e lá vinha Julie com suas mordidas. Nós ainda não tínhamos nos encantado um com o outro.